Jaguarão
(22/05/1833)
Os pica-paus que moravam na fronteira
Lenço vermelho não
era um acessório bem-vindo na Jaguarão do século passado. A marca que
diferenciava os maragatos de seus adversários pica-paus teve pouca penetração
na cidade da fronteira sul, que sempre mostrou nítidas influências
republicanas. Enquanto quase todos os municípios do Rio Grande ficaram
divididos durante as revoluções gaúchas, os moradores mais tradicionais de
Jaguarão construiram casas com detalhes inspirados nos símbolos legalistas.
"Até hoje não existe uma rua que tenha nome de maragato", observa o
advogado e jornalista Eduardo de Souza Soares, 52 anos.
Os primeiros
flertes de Jaguarão com a causa republicana datam da Revolução Farroupilha.
Entusiasmada com a conquista dos farrapos no combate do Seival, a Câmara
Municipal, que durante o Império tinha o papel de Poder Executivo, decidiu
aderir à República Rio-Grandense em 20 de setembro de 1836. O presidente da
Casa e articulador da iniciativa pioneira na Província era Manoel Gonçalves da
Silva, irmão do general Bento Gonçalves da Silva.
Menos de 15 anos
depois, nasceu em Pelotas o homem que manteria Jaguarão fiel ao seu passado
republicano. Neto materno de Manoel, o médico Carlos Barbosa Gonçalves importou
de Paris as idéias de igualdade e liberdade, e passou a defender o fim da
monarquia.
Não demorou muito
para que os argumentos de Carlos Barbosa inflamassem os espíritos. Em 30 de
julho de 1882, ele e mais 19 companheiros fundaram o Club Republicano. Dois
anos mais tarde, a entidade adquiriu o jornal "A Ordem", para
divulgar suas posições, e atacar o govemo do Rio e a família imperial.
Durante a visita da
Princesa Isabel e do Conde D'Eu, em 1885, o genro de Dom Pedro ll, que passou
de capitão francês a general brasileiro atropelando as graduações. Quando o
nobre chegou a Jaguarão, "A Ordem" publicou: "Por ocasião do
desembarque, o exmo. sr. Comendador Dr. Azevedo, na qualidade de presidente da
Câmara Municipal, dirigiu-lhe um bem elaborado discurso, ao que Sua Alteza
deixou de responder por não tê-lo ouvido, pois, como sabem os leitores, S.A. é
surdo' "
Logo a ideologia
republicana passou do papel para o concreto. Alguns seguidores começaram a
ostentar símbolos como o barrete da República em residências construídas no
centro de Jaguarão. O partido tomou corpo no município. Nas eleições de 1884,
Carlos Barbosa conquistou uma vaga na Câmara. Com a proclamação da República,
em 15 de novembro de 1889 (reconhecida pela Câmara de Jaguarão somente oito
dias depois), o estilingue político de Carlos Barbosa virou vidraça, mas nem
por isso foi ameaçado.
Nas revoluções de
1893 e 1923, os maragatos sequer se aproximaram da cidade. Até os anos 40, os
picapaus continuariam de topete em pé.
A cidade resiste ao cerco
A data de 27 de
janeiro de 1865 talvez seja mais importante para os jaguarenses do que a fundação
da Vila (6 de julho de 1832). Naquele dia, uma força composta por dois corpos
da Guarda Nacional resistiu durante 48 horas a uma tentativa de invasão do
território brasileiro por mais de 1,5 mil homens do exército uruguaio. Sitiada
e em desvantagem bélica, a guarnição comandada pelo coronel Manoel Pereira
Vargas acabou vencendo o inimigo no cansaço. O episódio rendeu ao município o
título de "Cidade Heróica" e ao Brasil, a demarcação das fronteiras à
margem esquerda do rio Jaguarão.
Nenhum general
esperava por aquele ataque surpresa. A atenção dos militares brasileiros estava
concentrada na tomada da cidade uruguaia de Paysandu. "Os blancos
prepararam o cerco de Jaguarão para desviar a atenção de nossos
exércitos", considera o advogado Eduardo de Souza Soares, 52 anos. Um
relatório escrito pelo próprio coronel Vargas no dia 18 de maio de 1865 faz uma
síntese dos acontecimentos. "No dia 19 de janeiro, recebi participações do
movimento de forças crescidas dos blancos que se aprqximavam do Cerro Largo no
Estado Oriental", noticiou o oficial.
Enviado pelo
uruguaio Basilio Muñoz, o exército uruguaio era mais de três vezes superior aos
15º e 28º corpos de cavalaria da Guarda Nacional. "A nossa força era cerca
de 500 homens, que tinham apenas 60 ou 70 clavinhas de fuzil", escreveu
Vargas. Derrota na certa. Mesmo assim, o coronel tratou de preparar Jaguarão
para o combate. Pouco depois das 9h do dia 17, o confronto teve início com
vantagem para o lado blanco. "As balas do inimigo passavam além da nossa coluna,
ao passo que as nossas pouco alcançavam as suas fileiras, devido à
inferioridade do armamento", lamentou o oficial brasileiro. O comandante
percebeu que o melhor ataque seria a defesa. Recuando para as trincheiras, a
pequena força resistiu. Vargas recusou todas as propostas de rendição.
Com a ajuda dos
vapores de guerra Apa e Cachoeira - ancorados no porto - o coronel e seus
soldados viraram a noite na defesa da cidade. Na madrugada, os uruguaios
estavam derrotados. "Na noite de 27 para 28, retirou-se o inimigo praticando
toda a sorte de atentados", descreveu o coronel. Com apenas um morto e
cinco feridos, a guarnição tinha evitado a invasão do Brasil.
A dívida virou ponte
A histórica Ponte
Mauá, que liga Jaguarão à cidade uruguaia de Rio Branco, não custou um centavo
aos cofres do império. A obra ficou como pagamento por uma dívida assumida no
século passado. Naquele tempo, o general argentino Juan Manoel de Rosas
ameaçava a liberdade do recém-emancipado Uruguai. Para auxiliar o país amigo,
vários empréstimos foram concedidos por Dom Pedro II. O Uruguai salvou-se. Em
compensação, devia 5 milhões de pesos em 1919. Para acertar as contas, as duas
nações fecharam o "Tratado da Dívida". Depois de três anos de obras,
em 30 de dezembro de 1930, a dívida virou ponte.
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